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O Amigão

        Muitos adultos esquecem como a vida de uma criança pode ser difícil. Crianças, de maneira geral, são cruéis em algumas situações. Em qualquer escola do mundo sempre haverão aquelas que sofrem bullyng, são ignoradas, abusadas física e emocionalmente. Infelizmente (ou felizmente) eu nunca fui do grupinho dos populares que praticavam o bullyng com as outras crianças. Isso significa, é claro, que eu era um dos pobres coitados da turma. Lembro-me bem de, por volta dos 7 anos, chorar constantemente por ser sempre ignorado por todos. Era como se eu fosse um fantasma, me arrastando pelos cantos da escola. Eu via as outras crianças em grupos rindo e brincando e tudo o que eu mais desejava era ter um único amigo com quem conversar.



Mesmo em casa tudo o que eu tinha era descaso, tanto de papai quanto de mamãe. A cada dia que passava tudo ficava cada vez mais insuportável, e eu já não tinha mais vontade de fazer nada, me isolando ainda mais das pessoas, cada vez mais deprimido. De repente tudo mudou, quando um novo garoto apareceu na escola.

Seu nome era Jack e tinha a mesma idade que eu. Jack tinha uma aparência estranha, com uma pele macilenta e amarelada, como se tivesse alguma doença de pele ou tivesse passado muito tempo sem ver o sol. Jack também sofria nas mãos das outras crianças. Sempre isolado das outras crianças, um forte laço se formou rapidamente entre nós. Encontramos um no outro tudo o que sempre desejamos: um amigo para conversar, brincar, contar problemas e um ombro para chorar quando necessário. Fazíamos praticamente tudo juntos o tempo todo, não sendo incomum ficarmos até tarde da noite conversando na casa dele ou na minha.

Jack gostava das mesmas coisas que eu e não existia nada mais fácil do que se divertir com ele. Durante três meses eu tive a vida mais maravilhosa de todas. Há muito havia me esquecido de como era sorrir e me sentir assim. Já estava começando a achar que aquilo duraria para sempre mas Jack começou a demonstrar um lado que eu não conhecia. E não gostei nem um pouco de conhecer. Jack adorava histórias de fantasmas e sabia tudo o que se há para saber sobre espíritos, vida após a morte e coisas do tipo. Esse assunto sempre me apavorou e a forma como Jack insistia em falar piorava tudo, como se estivesse me preparando para algo.



Começou a falar sobre casos em que pessoas possuíam o dom de ver espíritos e muitas vezes não percebiam quando estavam com um, pensando se tratar de alguém "normal". Confesso que eu surtei. Surtei pelo assunto me apavorar e, principalmente, porque fazia todo o sentido. Era bom demais para ser verdade. A forma como todos o evitavam, o fato de poder ficar até tarde em sua casa sem que seus pais reclamassem. Eu passei os últimos 3 meses na companhia de um fantasma. Meu melhor (e único) amigo era um espírito e eu não sabia o que fazer. Apenas de pensar em estar próximo a ele me causava arrepios mas, por outro lado... por outro lado eu já não imaginava minha vida sem Jack. As horas que passávamos juntos se tornaram essenciais para mim e chegou o momento crítico em que eu precisei decidir o que fazer. Cheguei a conclusão de que preferia estar com um fantasma a voltar a ser invisível para as outras pessoas. Naquela noite fui à casa de Jack e deixei que ele falasse tudo o que tinha para falar. Depois de algum tempo ele finalmente fez a confissão, e foi muito pior do que eu imaginava. Jack me contou que desde sempre desenvolveu a capacidade de ver e conversar com espíritos e dedicava sua vida a ajudar o maior número deles a “seguir em frente”. Saí de casa correndo em meio às lágrimas, me escondendo na primeira viela que encontrei. Minha vida estava acabada, definitivamente. Jack me contou que, muitas vezes, espíritos se esqueciam que tinham morrido. As vezes não percebiam que estavam mortos. De repente tudo o que eu sofria fez sentido. Meu isolamento, a sensação de ser invisível. Ser constantemente ignorado por meus pais e as outras crianças. De uma só vez uma velha lembrança voltou à minha mente. Patinando no gelo com meu pai. O gelo estalando embaixo de mim. A queda na água congelante, o frio, tanto frio. A chegada ao hospital, todos correndo à minha volta. Mamãe chorando e papai abraçando meu corpo gelado e sem vida. Eu havia morrido e só naquele momento percebi que, de fato, minha vida havia acabado. Minha vida havia acabado há muito tempo, e eu já não devia mais estar aqui. Com o coração pesado voltei até a casa de Jack e me despedi dele. Era grato por tudo o que fez por mim. Além de sua amizade ele me fez enxergar o que eu era e me preparou para o próximo passo.



Caminhei até minha casa aproveitando cada segundo de minha existência nesse lugar. Parei na porta da cozinha onde meus pais preparavam a janta e os observei durante algum tempo. Me sentindo finalmente preparado dei às costas para eles sussurrando uma breve despedida e, então, segui em frente.


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