Enfermeira Babel
Demorei muito para contar esta história, mas já estou velho o suficiente, e agora que minha querida esposa Rita faleceu, posso fazê-lo sem que isto lhe traga lembranças ruins.
Bem, eu era um jovem enfermeiro de 25 anos e cuidava do necrotério num pequeno hospital em São Paulo, o ano era 1938 e eu vivia uma vida simples. Mas não tão plena, visto que nutria uma paixão incomum por minha colega de trabalho: a senhorita Ernani de Oliveira Babel. Meu Deus, ela era linda, simpática e talvez uma das poucas pessoas que me ajudou quando era um novato. Talvez seja por isso que eu era o único no hospital que a respeitava como ser humano, visto que seu comportamento na época era visto como inapropriado.
Babel era uma mulher à frente de nosso tempo. Era pouco mais jovem que eu, devia ter lá seus 23 anos. Era independente e cresceu sozinha sem ajuda do pai ou da mãe. Sofreu muito para poder comer e dormir, e infelizmente teve de se prostituir para pagar o seu curso de enfermagem. Mas mesmo isto, a fez forte e guerreira.
Poucas pessoas sabiam deste seu passado sombrio, e por algum motivo, eu era um dos poucos no qual ela confiou tal segredo. E eu a respeitava sem nenhum preconceito, e jurei guardar tal segredo até o dia de sua morte.
O problema é que Babel acabou discutindo com a senhorita Leila, sua melhor amiga na época, e esta com raiva, acabou espalhando boatos sobre a vida passada de Babel. E foi aí que o inferno em sua vida retornou com todas as forças.
Os homens do local passaram a assediá-la alegando que era da natureza dela, e que nem poderia reclamar. Mas ela, independente que só, acabou por agredir nosso diretor que tentou abusar sexualmente dela, e acabou sendo despedida. É, eles conseguiram destruir a vida dela por conta de sua mentalidade arcaica e limitada. Babel estava destruída.
Depois de alguns meses sem emprego, acabou não podendo arcar mais com o aluguel, foi despejada e passou a viver nas praças da cidade. Eu, de boa vontade, ofereci-lhe abrigo em minha humilde casa e dei-lhe o pão e a água sem lhe exigir nada. Inclusive dormia na sala para que pudesse usufruir de meu quarto. Eu fazia questão de lhe deixar confortável, e inclusive fiz um banheiro pequeno, mas separado apenas para ela guardar sua intimidade sem que a presença de um homem pudesse lhe incomodar. Apesar de meus desejos estarem sempre à flor da pele, meu respeito pela srta. Babel era minha honra como homem. Eu a amava, mesmo que não pudesse tê-la como mulher. Mas sua amizade já me confortava. Ela merecia ser feliz e livre, então comecei a economizar para pagar o aluguel de um local mais em conta para ela viver, afinal, não havia mais nada que eu quisesse na vida.
No trabalho, comecei a notar certos burburinhos a meu respeito, até que certo dia, alguns de meus colegas de trabalho me encurralaram no necrotério do hospital e me bateram, dizendo que eu era servo do Diabo por estar abrigando uma prostituta. Eu fiquei quieto. Não tive reação. Só pude contemplar o silêncio e a ignorância daqueles seres.
Chegando em casa, estava mais arrasado do que nunca. Minha dignidade e minha masculinidade estava tão ferida quanto meu rosto. Babel levou um susto ao me ver. Não tive coragem de olhar em seus olhos de tanta vergonha.
Mas eu estava pensando que aquele era o pior dia da minha vida, mas toda aquela dor se transformaria em algo que nunca imaginei: Babel me despiu, me deu banho de salmora e cuidou de meus ferimentos. Meu Deus, foi tão bom e tão torturante ao mesmo tempo, já que não podia dizer o que eu sentia por ela.
Srta. Babel, agradeço muito, mas não quero lhe deixar constrangida ou desconfortável mostrando-lhe minhas intimidades físicas
Você precisa de cuidados. Fui despedida, mas ainda sou enfermeira.
Meu coração batia ardentemente, mas isto misturado com o sentimento de quê nunca nem ao menos a beijaria. Eu só queria um beijo deste anjo. Era um sentimento estranho de alegria misturada com melancolia, mas isto tudo mudou quando ela me disse:
Não precisa esconder. Eu sempre soube!
Hmm...soube o quê srta. Babel? - Disse eu, visivelmente embaraçado
Que você gosta de minha pessoa. E acho que faz algum tempo que sinto vontade de retribuir tal sentimento.
Eu fiquei mudo. Mas um olhar foi o suficiente. Babel me beijou e se despiu também. Por um momento, achei que estivesse delirando, mas me dei conta que era real quando os movimentos dela faziam doer-me o corpo. Mas esqueci da dor em poucos minutos. Meus Deus, ela era tão amável e carinhosa. Era meiga e sedutora ao mesmo tempo. Era como sabor do café moído na hora, delicado, elegante, mas forte e quente ao mesmo tempo. Naquela noite, nos tornamos apenas um. Literalmente.
De madrugada escutei alguns barulhos estranhos, mas mesmo antes de levantar, levei uma pancada na cabeça e desmaiei. Acordei um tanto zonzo, mas pude ver Babel no chão e um homem por cima dela: era o diretor do hospital, abusando sexualmente dela. Uma ira imensa tomou conta de mim, mas eu estava preso. Comecei a esbravejar, mas neste momento, meus malditos colegas de trabalho, começaram a me esmurrar fortemente. Fiquei encharcado de sangue, e os estupros continuaram. Eu senti que era hora de tomar uma atitude.
Entoei um cântico que minha mãe me passara, e neste exato momento, o supervisor caiu morto. Os outros dois me olharam assustados e clamando pelo nome de Deus.
Vocês se dizem filhos de Deus, mas vivem pelo ódio. Eu convoco um dos primeiros filhos de Deus, aquele que castiga quem faz o mal. Eu convoco o próprio Lúcifer para fazer justiça!
Neste instante, um bode marrom apareceu na sala. Seus cascos estavam em brasa e seus olhos eram tão escuros e profundos que pareciam um abismo. Os homens congelaram de medo.
O bode cheirou Babel, me cheirou e foi de encontro com os homens. Ao cheirá-los, imediatamente seu tamanho triplicou, e estripou-os com seus cornos retorcidos e fumegantes, rasgando as entranhas e comendo seus olhos e corações.
O bode diminuiu o seu tamanho, me olhou bem nos olhos e disse com uma voz firme, grave e incrivelmente simpática:
Ajude a moça. Ela vai precisar de cuidados
V...v...você é o Diabo?
Que forma pejorativa de falar com quem acaba de lhe salvar. Não, eu sou Lúcifer, o filho de Deus designado para punir os maléficos.
E posso perguntar o por quê de aparecer assim tão repentinamente?
Bem, ela rezou à um anjo. Lúcifer, o portador da luz. Então vim trazer luz, oras.
A srta. Babel é serva do Diabo então? Digo...do sr., sem ofensa.
Desculpe, mas ofendeu sim, meu caro! Esta história de Diabo comedor de criancinhas foi inventada pela igreja para me denegrir. Eu estou do lado de Deus.
Mas, não é errado matar? Não que eu discorde do sr., mas está nos 10 mandamentos…
Eles não foram mortos. Eles foram punidos. Voltaram daqui alguns dias depois de uma temporada no inferno. Talvez já os veja amanhã mesmo, mas para eles, terá passado séculos, visto que o tempo no inferno é diferente.
Espero que isto os mude!
Acredite. As punições são tão severas que nem sequer poderão descrever para seu cérebro limitado. Oh, claro. Sem ofensa. Limitado em comparação com o cognitivo de um ser celestial.
Sem problemas
Enfim, continue a ser quem sempre foi. Estarei de olho.
Depois disto, as cordas desapareceram como mágica, assim como os corpos e todo aquele sangue que pegaram fogo e desapareceram. Era um fogo sem fumaça e que não emitia calor. Mas enfim, pouco me importa como aconteceu aquilo. O quê importa, é que aqueles malditos pagaram por seus pecados. Literalmente.
E Babel? Bem, mudou seu nome para Rita antes de nos casarmos. Esta é a história dela e de como Deus nos salvou por meio de seu filho supostamente exilado. Nunca duvide do poder de uma mulher independente.
Autor: Alex Lupóz
Comente caso tenha gostado. Me sentirei estimulado a criar mais ^_^
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Meus mais sinceros parabéns pela obra. Surreal. Continue nos agraciando com esses contos. Por favor!
ResponderExcluirMuito obrigado, Flor Castro! Uma honra escrever pra ti! <3
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